Introdução
Destroços de universidade é o que restará se esta não se adaptar à globalização neste início do 2o milênio de sua existência?
Mas é possível remodelar a universidade sem descaracterizá-la, sem desviá-la de seus fundamentos, de seus princípios e de suas origens?
São estes fundamentos compatíveis com a globalização? É preciso rever esses fundamentos? Criar outra universidade? Não basta uma reforma? É preciso uma revolução?
A universidade está em crise porque abandonou seus princípios ou porque esses princípios não servem para o mundo de hoje?
Qual é o tamanho, o caráter e a causa da presente crise da universidade? A universidade tem futuro? Qual?
Cabe aos que estão chegando agora construírem uma nova ou reformarem a antiga universidade.
Mas o aluno chega com uma idéia deformada ou com idéia alguma do que seja, para que serve e a quem se destina a universidade.
Quando chega a entendê-la, já é hora de deixá-la.
Acaba por nada fazer por ela (quando não a prejudica) e por levar para o mercado de trabalho a mesma ideia que tinha quando chegou ou outra idéia também deformada da universidade.
O aluno deve ter consciência que ele não pode apenas passar por uma universidade. Ele tem que deixar sua marca, participar da vida universitária, construir uma universidade melhor. O aluno tem que retribuir a quem o está tornando melhor.
É conhecendo, já no primeiro dia de aula, a realidade da universidade e o seu papel nela, que o aluno poderá participar produtivamente da vida universitária. Permitir que o calouro tenha este conhecimento prévio é o propósito deste texto.
A Universidade e seu Mundo (1)
Ano 980 do nascimento de Nosso Senhor, Ducado de Bolonha,(2) tudo é cartelizado: cartel (3) (universitas) dos padeiros, dos sapateiros, dos artistas…..e:
-Vamos fazer uma universitas de estudantes! Vamos nos unir! Pagamos mestres-escolas para nos ensinar; administraremos tudo e impediremos que o PODER nos incomode, nos domine. Teremos liberdade de aprender, o que não ocorre nos mosteiros da Igreja.
-Para que? O mundo acaba daqui há 20 anos, no ano 1000, mas…, caso não acabar…., e se, no ano 2000, essa universitas estiver sendo sustentada por impostos pagos pelos camponeses pobres desse ducado, teremos que ajudá-los, dar-lhes satisfação do que fazemos e de como gastamos o dinheiro deles.
-Não! Interferências destroem qualquer universitas, precisamos de liberdade total (4); o saber não pode estar amarrado a nada e a ninguém!
-“Especialmente ao poder; sim, teremos uma luta eterna com ele. Mas quais serão nossos objetivos, princípios (5), meios?
Notas:
l- universo= mundo, em latim.
2- Bolonha foi a sede da primeira universidade européia. A Itália só se unificaria em 1871.
3- As corporações de ofício eram chamadas de universitas.
4- Sim, o “dupli-pensar” já existia: um cartel pedindo liberdade!…
Princípios: tem, aqui, 2 sentidos: o ético e a origem viciada da universidade no mundo estreito das corporações de ofício.
A Universidade Possível
– Nossos objetivos serão:
1- Produzir saber.
2- Transmitir o saber.
3- Formar o cidadão consciente.
4- Criar um centro de excelência que reflita criticamente sobre a sociedade e seus problemas.
5- Propor soluções para os desafios da sociedade.
– Perfeito! Mas como a universidade ficará livre dos vícios que afligem a sociedade? Ficaremos em uma torre de vidro? Só alguém imune aos vícios e às limitações da sociedade poderia cumprir essa missão!
O que nos leva à segunda parte de sua pergunta: os nossos princípios. Estes exigirão de nós um desapego material, um amor pela verdade e pelo conhecimento como fins em si mesmo, ética e honestidade profissional incomuns.
– Mas quem vai avaliar isso? A quem responderemos se estamos sendo isso tudo ou não? Como corrigiremos erros ou desvios?
– Acredito que, com princípios tão elevados, será fácil identificar as “ovelhas negras”.
– Mas nossas propostas não serão sempre bem-vindas! Vamos desgostar o poder político e o eclesiástico!
– Apresentaremos sugestões; cabe, à sociedade, discuti-las, acolhê-las, ou não.
– Com que meios vamos nos comunicar com a sociedade?
– Com ensino, pesquisa e prestação de serviços à comunidade.
A Universidade Aberta
Entre uma e outra crise financeira global, George Soros, o “judeu especulador e filantropo”, nos atendeu.
A censura permitiu-me qualificá-lo como judeu porque sabe que Soros tem orgulho de ser judeu e porque a verdade não foi feita para ser escondida; especialmente quando falamos de universidade, pois esta tem como função justamente a busca da verdade.
A própria forma da conversa (via e-mail) já nos disse muito.
Soros é uma das maiores inteligências vivas, criou a Universidade da Europa Central, luta por uma <<sociedade aberta>>, e tem um profundo conhecimento da distância entre teoria e prática e entre universidade e sociedade.
“-A crise da universidade é conjuntural ou estrutural?”.
“-A universidade tem estado na vanguarda da tecnologia, incorporando rápido estas. 0 ensino fundamental é que está distante dos novos tempos. Na Europa está surgindo “uma universidade européia para um emprego europeu”, não havendo mais lugar para universidades nacionais. A globalização da universidade e do saber é condição essencial para se ter a sociedade aberta….”.
“-Mas!.. e os fundamentos?…O senhor diz que a teoria econômica aprendida na Universidade era oposta a o que viu no mundo real..”.
“-A ciência tradicional acredita em um conhecimento perfeito da realidade; eu não, porque sei que o nosso conhecimento modifica essa realidade. A noção de verdade tem que ser repensada; esta é a crise estrutural..”.
“As 7 pragas da universidade” (1)
-“A nossa universitas já tem mil anos e é a única corporação de ofício que sobreviveu. Mas a que preço? Abandono dos ideais?.. ou a universidade continua a mesma?”.
-“Deixando de lado aquelas o que são universidades, só no nome, ela continua a mesma onde sempre foi universidade. Sim, até hoje permanece vivo o ideal de um centro de excelência laico, livre de interferências econômicas e políticas, voltado para o saber e onde o espírito científico seja livre para se desenvolver”.
-“Mas ser dependente de governos e de empresas para sobreviver não compromete a autonomia universitária? Hoje são os governos que as criam por decreto, financiam-nas. E quando se busca dinheiro nas empresas, passa-se de um comprometimento a outro. As empresas querem estabelecer o currículo mais conveniente a elas!”.
-“Em países democráticos não há problema; ali elas são fortes e consolidadas e o governo pouco interfere”.
-“Fortes, mas burocratizadas, inchadas, obsoletas, ou seja, iguais a qualquer serviço público!”.
-“Ou privado. É um erro achar que a burocracia é um vírus ao qual o setor privado está imune. Prefiro lembrar que da universidade já saíram muitos antivírus contra esse e outros males da sociedade”.
-“Mas temos todos esses males: corrupção, autoritarismo, politicagem, ou seja, fracassamos!”.
“-Mas em que outro lugar se faz uma autocrítica dessas? Tente imaginar um mundo sem universidade! Quem mais contribuiu mais que ela para a correção desses problemas?”.
“-A imprensa! E temos professores e alunos de carreira (aqueles que correm do emprego para a faculdade), temos fábricas de diplomas, faculdades de fins de semana, milhões de alunos nos cursos baratos do tipo “giz, lousa e só”. Tudo voltado para o lucro e não para o saber..”.
“-Nas falsas universidades..”.
“-E a opção pela quantidade? a massificação?.. No limite, a universidade, ficando acessível a todos, perde o seu significado como elite, como centro de excelência.. Não vejo como pensar a universidade sem exclusão, sem seleção”.
“-Quem seleciona é a vida. Transmitimos nossos ideais a um maior número possível de pessoas. Se conseguirão ou não construir um mundo melhor…”.
“-Este é o maior mal! Alunos fracos só atrapalham os bons a aprenderem. As boas universidades só são boas porque têm os melhores alunos, você sabe bem disto! A opção pela quantidade em prejuízo da qualidade transformou a universidade uma mera grande-escola profissionalizante”.
“-Porque hoje a complexidade da tecnologia é tanta que exige para qualquer profissão, estudos demorados e caros.”.
“-Sim, mas com excessiva fragmentação do saber: começamos com 3 carreiras, agora são 77. 0 aluno sai da universidade ignorando 76 delas, com mínima experiência prática( ao contrário do que ocorria nas antigas universitas) e com mínima chance de obter emprego. Não sei o que ganhamos absorvendo todas as outras universitas!..”.
(1) O título é do prof. Rogerio C. de Cerqueira Leite, autor de “As 7 pragas da universidade brasileira”.
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